«O carácter resulta de seguirmos o nosso mais elevado sentido do bem e de confiar em ideias sem ter a certeza que resultam.» Richard Bach

domingo, 28 de dezembro de 2008

Quando recolhíamos ao quarto, alumiados pelo Gonçalves, passou por nós, bruscamente, no corredor, uma senhora, grande e branca, com um rumor forte de sedas claras, espalhando um aroma de almíscar. Era a inglesa do senhor barão. No meu leito de ferro, desperto pelo barulho das seges, eu pensava nela, rezando Ave-Marias. Nunca roçara corpo tão belo, de um perfume tão penetrante; ela era cheia de graça, o Senhor estava com ela, e passava, bendita entre as mulheres, com um rumor de sedas claras... in A relíquia, de Eça de Queirós.

sábado, 18 de outubro de 2008

Melius est reprehendant nos grammatici quam non intelligant populi.

(Mais vale sermos censurados pelos gramáticos que não entendidos pelo povo)
Santo Agostinho.


É uma afirmação que me «saltou à vista» enquanto me vou dedicando ao estudo. Ando a estudar a História da Língua Portuguesa por terras da Bósnia i Herzegovina. Estou a Gostar.

terça-feira, 15 de julho de 2008

«Todos os dias têm a sua história, um só minuto levaria anos a contar, o mínimo gesto, o descasque miudinho duma palavra, duma sílaba, dum som, para já não falar dos pensamentos, que é coisa de muito estofo, pensar no que se pensa, ou pensou, ou está pensando, e que pensamento é esse que pensa o outro pensamento, não acabaríamos nunca mais.»

«Imagine-se que nos perdíamos agora a decifrar e explicar a expressão destes olhos, não chegaria a história ao fim, ainda que tudo isto, o que parece pouco e o que parece de mais, da mesma história faça parte, maneira tão boa como outra que o seja de contar. »

«Tinha graça pôr estes escritos em ordem e contar por eles a história, que seria outra maneira de contar, o nosso mal é julgarmos que só as grandes coisas são importantes, ficamos a falar delas e depois quando queremos saber como era, quem estava, que foi que disseram, é uma dificuldade.»
in Levantado do Chão, de José Saramago.

domingo, 29 de junho de 2008

Faz, hoje, 108 anos que morreu Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry.
Antoine de Saint-Exupery, nasceu no dia 29 de Junho de 1900. Fica para a história dos homens para sempre, sobretudo, pelo seu livro “O Principezinho”, uma obra aparentemente simples, mas, apenas aparentemente, pois é na verdade bastante profunda.
E dela pensei imenso no que aqui poderia deixar. Não é fácil escolher um parágrafo, apesar de ter alguns que adoro. Mas optei pela simplicidade, pela profunda simplicidade de um simples parágrafo.

Mas nós, nós que compreendemos a vida, nós não ligamos aos números! Gostaria de ter começado esta história à moda dos contos de fada. Teria gostado de dizer: "Era uma vez um pequeno príncipe que habitava um planeta pouco maior que ele, e que tinha necessidade de um amigo..." Para aqueles que compreendem a vida, isto pareceria sem dúvida muito mais verdadeiro. in O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Hoje foi um dia especial. Muito especial mesmo. A minha princesa terminou hoje a primária. Foi bom, ver que cresce. Sobretudo fico feliz porque me dá muito orgulho, quase me babo só de saber que a minha princesa não só é muito boa aluna e, também, muito adulta.
O momento mais marcante da festa foi quando todos fomos presenteados, os meninos com um presente, os pais com uma lição – era o dia dos pais aprenderem qualquer coisa.
Muitas foram as lágrimas que correram as faces, de grandes e pequenos. Sempre foram quatro anos, quatro anos difíceis de classificar, ora breves, ora longos. Quase todos choraram, apenas a minha princesa, e mais uma ou outra, não. Socorria com um «não chores mais», ou «olha já chega. Olha eu não estou a chorar». Será que chorava por dentro mais ainda, ou será que não – e isso será bom, será mau?
Bem foi o dia da minha Princesa. Da minha Fifi.

Agora deixo a lição que hoje aprendi. A lição da professora Elisabete.

A criança que vive com afeição
aprende a amar

A criança que vive com estímulo
aprende a confiar

A criança que vive com a verdade
aprende a ser justa

A criança que vive com o elogio
aprende a dar valor

A criança que vive com generosidade
aprende a repartir

A criança que vive com o saber
aprende a conhecer

A criança que vive com paciência
aprende a tolerância

A criança que vive com felicidade
conhecerá o amor e a beleza
(Ronald Russel)
2007/2008
A Professora
(Elisabete Cunha)

domingo, 8 de junho de 2008

O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. As quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia. Azinhaga de seu nome, na província do Ribatejo.
Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem gente de bom caráter, não era por primores de alma compassiva que os dois velhos assim procediam: o que os preocupava, sem sentimentalismos nem retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalidade de quem, para manter a vida, não aprendeu a pensar mais do que o indispensável.
Ajudei muitas vezes este meu avô Jerónimo nas suas andanças de pastor, cavei muitas vezes a terra do quintal anexo à casa e cortei lenha para o lume, muitas vezes, dando voltas e voltas à grande roda de ferro que acionava a bomba, fiz subir a água do poço comunitário e a transportei ao ombro, muitas vezes, às escondidas dos guardas das searas, fui com a minha avó, também pela madrugada, munidos de ancinho, panal e corda, a recolher nos restolhos a palha solta que depois haveria de servir para a cama do gado. E algumas vezes, em noites quentes de Verão, depois da ceia, meu avô me disse: "José, hoje vamos dormir os dois debaixo da figueira". Havia outras duas figueiras, mas aquela, certamente por ser a maior, por ser a mais antiga, por ser a de sempre, era, para toda as pessoas da casa, a figueira.
Mais ou menos por antonomásia, palavra erudita que só muitos anos depois viria a conhecer e a saber o que significava... No meio da paz noturna, entre os ramos altos da árvore, uma estrela aparecia-me, e depois, lentamente, escondia-se por trás de uma folha, e, olhando eu noutra direção, tal como um rio correndo em silêncio pelo céu côncavo, surgia a claridade opalescente da Via Láctea, o Caminho de Santiago, como ainda lhe chamávamos na aldeia. Enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com as histórias e os casos que o meu avô ia contando: lendas, aparições, assombros, episódios singulares, mortes antigas, zaragatas de pau e pedra, palavras de antepassados, um incansável rumor de memórias que me mantinha desperto, ao mesmo tempo que suavemente me acalentava. Nunca pude saber se ele se calava quando se apercebia de que eu tinha adormecido, ou se continuava a falar para não deixar em meio a resposta à pergunta que invariavelmente lhe fazia nas pausas mais demoradas que ele calculadamente metia no relato: "E depois?". Talvez repetisse as histórias para si próprio, quer fosse para não as esquecer, quer fosse para as enriquecer com peripécias novas.
Naquela idade minha e naquele tempo de nós todos, nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo. Quando, à primeira luz da manhã, o canto dos pássaros me despertava, ele já não estava ali, tinha saído para o campo com os seus animais, deixando-me a dormir. Então levantava-me, dobrava a manta e, descalço (na aldeia andei sempre descalço até aos 14 anos), ainda com palhas agarradas ao cabelo, passava da parte cultivada do quintal para a outra onde se encontravam as pocilgas, ao lado da casa. Minha avó, já a pé antes do meu avô, punha-me na frente uma grande tigela de café com pedaços de pão e perguntava-me se tinha dormido bem. Se eu lhe contava algum mau sonho nascido das histórias do avô, ela sempre me tranqüilizava: "Não faças caso, em sonhos não há firmeza".
Pensava então que a minha avó, embora fosse também uma mulher muito sábia, não alcançava as alturas do meu avô, esse que, deitado debaixo da figueira, tendo ao lado o neto José, era capaz de pôr o universo em movimento apenas com duas palavras. Foi só muitos anos depois, quando o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não poderia significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprios filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver.
José Saramago, Discurso na Academia Sueca (ao receber o Prémio Nobel de Literatura)

domingo, 11 de maio de 2008

… com 39 anos. Fisicamente, parece mais novo. Conserva negra a cabeleira farta, com uma risca à esquerda, e aparada curta. Emagreceu; e o rosto ossudo, muito branco, chupado, seco, apoia-se num pescoço magro.com o seu colarinho de goma, alto e rijo, e todo vestido de escuro como de luto, tem o ar ascético, escanhoado e nítido, de um clérigo anglicano ou de um sábio alheio ao mundo. É compassado no andar, e de gestos lentos e calmos; fala sem esforço, naturalmente, mas escolhe com rigor as palavras, e apenas diz o que pretende; e suscita a impressão de que não pode rir-se. De olhos sempre em movimento, esquadrinha tudo e todos. E não se perturba, nem se surpreende por coisa alguma. Ainda que bem apessoado, é uma figura frágil, mas nitidamente recortada; e ressuma personalidade, decisão, vida interior e raça. in Salazar - os tempos áureos 1928-1936, de Franco Nogueira.

terça-feira, 8 de abril de 2008


"Quando eu tinha 15 anos sabia desenhar como Rafael, mas precisei uma vida inteira para aprender a desenhar como as crianças" Pablo Ruiz Picasso.

Nasceu no Outono, faleceu na primavera. Faz hoje 35 anos que deixou de estar presente, sem nunca ser um ausente. Ele está por aí.
A Imagem é o seu auto-retrato, desenhado em 1907.
Presente.
Aprender sem pensar é tempo perdido. Confúcio

Nada é Complicado se nos Prepararmos Previamente.

Se, antes de começarmos a falar, determinarmos e escolhermos, previamente, as palavras, a nossa conversa não será vacilante nem ambígua.

Se em todos os nossos negócios e empresas determinarmos e planearmos, previamente, as etapas da nossa actuação, obteremos o êxito.

Se determinarmos com bastante antecedência a nossa norma de conduta na vida, em nenhum momento seremos assaltados pela inquietação.

Se sabemos, previamente, quais são os nossos deveres, será fácil darmos-lhes cumprimento.
Confúcio in a "Sabedoria de Confúcio".

sábado, 22 de março de 2008

A UM POETA
Surge et ambula

Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera um só aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes a rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

Antero de Quental

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Soberbo. Sem mais, soberbo apenas. Saramago é isto, soberbo com ésse grande – Soberbo. Apesar que afinal os seus romances sempre desiludem. A desilusão é que acabam, terminam, e assim obrigam-me a este protesto Que os romances de Saramago não terminem, acrescento ainda Que este ensaio sobre a lucidez continue, como tão bem continuou o ensaio sobre a cegueira. Agora, já que a isso a curiosidade se me aguçou, não a do gato, a do leitor apenas, folheei e vi que a palavra fim não está lá. Assim espero, expectante, convicto que essa gralha é propositada.
Vocês não me vêm mas eu estou a sorrir. Imaginem.

Antes de prosseguirmos este relato, convirá explicar que o emprego da palavra brancoso poucas linhas atrás não foi ocasional ou fortuito nem resultou de um erro de digitação no teclado do computador, e muito menos se tratou de um neologismo que o narrador teria ido a correr inventar para suprir uma falta. O termo existe, existe mesmo, pode ser encontrado em qualquer dicionário, o problema, se problema é, reside no facto de as pessoas estarem convencidas de que conhecem o significado da palavra branco e dos seus derivados, e portanto não perdem tempo a certificar-se à fonte, ou então padecem da síndroma de intelecto preguiçoso e por aí se ficam, não vão mais além, à bela descoberta. Não se sabe quem terá sido na cidade o curioso investigador ou casual achador, o certo é que a palavra se espalhou rapidamente e logo com o sentido pejorativo que a simples leitura já parece provocar. Embora não nos tivéssemos referido anteriormente ao facto, deplorável em todos os seus aspectos, os próprios meios de comunicação social, em particular a televisão estatal, já estão a empregar a palavra como se tratasse de uma obscenidade das piores. in Ensaio sobre a Lucidez, de José Saramago.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Voltei. Já foi a uns 25 dias, mas só agora se tornou oportuno, ou melhor, só agora tive a oportunidade de aqui voltar. O meu blog já me dava saudades, mas primeiro a família, os amigos, o estudo - e os exames da faculdade - e agora sim as paixões. Paixões, livros sobretudo - outros há, segredos -, e por estes ficamos.
Timor já lá vai. Há momentos que recordo, outros nem por isso, só a muito esforço, outros há a esquecer, outros talvez nunca. Já passou, viro a página, agora aqui. Agora os livros.
Comecei a leitura por algo que nunca desilude, Jamais, no francês, é Nobel, merecidíssimo, é luso, ou por cá nasceu, agora será mais do mundo, e que o mundo nunca o perca e esqueça. O nome nem digo, claro, mas deixo aqui um parágrafo, dele, em que tropecei e não esqueço:
O inconveniente destas digressões narrativas, ocupados como estivemos com intrometidos excursos, é acabar por descobrir, porém demasiado tarde, que, mal nos tínhamos precatado, os acontecimentos não esperam por nós, que já vão adiante, e que, em lugar de havermos anunciado, como é elementar obrigação de qualquer contador de histórias que saiba do seu ofício, o que irá suceder, não nos resta agora outro remédio que confessar, contritos, que já sucedeu. in Ensaio Sobre A Lucidez, de Saramago.