«O carácter resulta de seguirmos o nosso mais elevado sentido do bem e de confiar em ideias sem ter a certeza que resultam.» Richard Bach

sábado, 30 de junho de 2007

Civilização... O que é?

Na terra tudo vive – e só o homem sente a dor e desilusão da vida. E tanto as sente, quanto mais alarga e acumula a obra dessa inteligência que o torna homem, e que o separa da restante natureza, impensante e inerte. É no máximo da civilização que ele experimenta o máximo de tédio. A sapiência, portanto, está em recuar até esse modesto mínimo de civilização, que consiste em ter um tecto de colmo, uma leira de terra e um grão para nela semear. Em resumo, para reaver a felicidade, é necessário regressar ao paraíso – e ficar lá, quieto, na sua folha de vinha, inteiramente desguarnecido de civilização, contemplando o anho aos saltos entre o tomilho, e sem procurar, nem com o desejo, a arvore funesta da ciência! in Civilização, de Eça de Queirós

sexta-feira, 29 de junho de 2007

O Que fez Bastian?

As paixões humanas são misteriosas, e as das crianças não os são menos que as dos adultos. As pessoas que as experimentaram não as sabem explicar, e as que as nunca as viveram não as podem compreender. Há pessoas que arriscam a vida para atingir o cume de uma montanha. Ninguém é capaz de explicar porquê, nem mesmo elas. Outras arruinaram-se para conquistar o coração de uma determinada pessoa que não quer saber delas para nada. Outras destroem-se a si mesmas porque não são capazes de resistir aos prazeres da mesa – ou da garrafa. Outras ainda arriscam quanto possuem num jogo de azar, ou sacrificam tudo a uma ideia fixa que nunca se pode realizar. Algumas pensam que só podem ser felizes noutro sítio que não naquele onde estão e vagueiam pelo mundo durante toda a vida. Há ainda as que não descansam enquanto não conquistam o poder. Em suma, há tantas paixões diferentes quantas as pessoas. A paixão de Bastian Baltazar Bux eram os livros. Quem nunca passou tardes inteiras diante de um livro, com as orelhas a arder e o cabelo caído para a cara esquecido de tudo o que o rodeia e sem se dar conta de que está com fome ou com frio. Quem nunca se escondeu por debaixo dos cobertores da cama a ler um livro à luz da lanterna eléctrica, depois de o pai ou a mãe ou qualquer outro adulto lhe ter apagado a luz, com o argumento bem-intencionado de que são horas de ir para a cama, pois no dia seguinte é preciso levantar cedo... Quem nuca chorou, às escondidas ou diante de toda a gente, lágrimas amargas porque uma história maravilhosa chegou ao fim e é preciso dizer adeus a personagens na companhia dos quais se viveram tantas aventuras, que se amaram e se admiraram, pelas quais se temeu ou ansiou, e sem cuja companhia a vida parece vazia e sem sentido… Quem não conhece tudo isto por experiência própria provavelmente não pode compreender o que Bastian fez em seguida.Olhou fixamente o título do livro e sentiu, ao mesmo tempo, arrepios de frio e ondas de calor. Aqui estava uma coisa com que tinha já sonhado muitas vezes, que tinha desejado muitas vezes desde que contraíra a sua paixão secreta: uma história que nunca acabasse! O livro dos livros! in Uma História Interminável, de Michael Ende.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Recomeço leituras, depois do estudo :)

Depois de muito estudo para muito fraco produto - é tão mau saber a matéria e depois levar com um exame destes.
Mas os dias, de tardes más, podem ter noites sorridentes: eu esta noite volto a sorrir. Com o adiamento das frequências de Clássicas II e de Pré-Clássicas, tenho uns dias para dedicar ao prazer da leitura pela leitura. O regresso ao estudo está marcado para dia 12 de Julho e do outro lado do mundo (Timor).
E, foi numa tarde deste tipo - que não consigo defenir de que tipo se trata -, comecei a ler O Amante de Lady Chatterley, de D.H. Lowrence. Não é que coleccionei de imediato um parágrafo, logo na primeira página, logo o primeiro parágrafo. Aqui está:

A nossa época é essencialmente trágica, por isso nos recusamos a aceitá-la tragicamente. O cataclismo deu-se, estamos entre as ruínas, desatamos a construir novos pequenos habitat, a alimentar novas esperançazinhas. É uma tarefa difícil, já não há nenhuma esperança suave em direcção ao futuro: rodeamos os obstáculos, ou passamos por cima deles. seja qual for o número de réus que desabem, temos de viver.
Esta era, mais ou menos, a posição de Constance Chateterley. A guerra tinha sido como um tecto que lhe caísse em cima, e ela compreendera que seria necessário viver e aprender. in O Amante de Lady Chatterley de D.H. Lowrence

domingo, 24 de junho de 2007

Para Timor-Lorosae dia 09 Julho.

Agora que a data está marcada, que o voo se aproxima - dia nove de Julho - e Timor está cada vez mais perto, a saudade - que ainda não sinto - algures espera qua a sinta.
Saudoso, amanhã, pelo que hoje sinto.


Paragráfo da Minha Colecção:
- Porque não tentas? Perguntou Paolo, acariciando as folhas com as costas da mão.

- Fazer a volta ao mundo? Porque está para além das minhas forças. Sou como uma vinha que só consegue viver num certo tipo de solo, nos socalcos desta ou daquela encosta, num ângulo preciso em relação ao sol. Se me mudam de lugar, morro. in As Lágimas do Assassino de Anne.Laure Bondoux.

sábado, 23 de junho de 2007

Dou aulas de Levitação...

Paragráfos da Minha Colecçaõ:
Não gosto de festas. Aborrece-me a conversa fiada, o fumo, a alegria fátua dos bêbados. Irritam-me ainda mais os pratos de plástico. Os talheres de plástico. Os copos de plástico. Servem-me coelho assado num prato de plástico, forçam-me a comer com talheres de plástico, o prato nos joelhos, porque não há mais lugares à mesa, e inevitavelmente o garfo quebra-se. A carne salta e cai-me nas calças. Derramo o vinho. Além disso odeio coelho. Faço um esforço enorme para que ninguém repare em mim, mas há sempre uma mulher que, a dada altura, me puxa pelo braço, vamos dançar?, e lá vou eu, de rastos, atordoado pelo estrídulo dissonante dos perfumes e o volume da música. Terminado o número, um tanto humilhado porque, confesso, tenho o pé pesado, sirvo-me de um uísque, com muito gelo, mas logo alguém me sacode, o que foi, meu velho, estás chateado?, e eu, que não, esforçando-me por sorrir, esforçando-me por rir às gargalhadas, como o resto da chusma, chateado? por que havia de estar chateado?, o dever da alegria chama-me, grito, lá vou, lá vou, e regresso à pista, e finjo que danço, finjo que estou feliz, pulando para a direita, pulando para a esquerda, até que se esqueçam de mim. Naquela noite estava quase a ser esquecido quando reparei num sujeito alto, todo vestido de branco, como um lírio, alva cabeleira à solta pelos ombros, a rondar sombriamente os pastéis de bacalhau. O homem parecia estar ali por engano. Achei-o de repente tão desamparado quanto eu. Podia ser eu, excepto pela roupa, pois evito o branco. O branco não é muito apropriado para o meu negócio. Menos ainda as cores garridas. Obedeço ao lugar-comum — visto-me de negro. Aproximei-me do homem, numa solidariedade de náufrago, e estendi-lhe a mão.
— Sou Fulano — disse-lhe. — Vendo caixões.
A mão do homem (entre a minha) era lassa e pálida. Os olhos tinham um brilho escuro, vago, como um lago, à noite, iluminado pela luz do luar. A maioria das pessoas não consegue disfarçar o choque, ou o riso, depende da circunstância, quando escutam a palavra caixões. Alguns hesitam: paixões? Não, corrijo, caixões. O sujeito, porém, permaneceu imperturbável.
— Nenhum nome é verdadeiro —, respondeu-me, com forte sotaque pernambucano. — Mas pode me chamar Emanuel Subtil.
— E o que faz o senhor?
— Sou professor...
— Ah Sim? E de quê?
Emanuel Subtil sacudiu a cabeleira num movimento distraído:
— Dou aulas de levitação.— Levitação?!
in Manual prático de levitação, de José Eduardo Agualusa

domingo, 17 de junho de 2007

Agora que vou...

Agora que o tempo de ir quase aqui está, para dar inicio a um tempo em que aqui não estou, porque o caminho para Timor no meio está.
Vou somente porque tenho de ir.


Parágrafo da Minha Colecção:
Por vezes ele abria o caderno, pegava na caneta, acendia um cigarro e punha-se a escrever. Era então que verdadeiramente ele rumava ao Sul. Aquele caderno era de súbito o alto mar, e cada palavra escrita uma singradura. Ele não escrevia, navegava, linha a linha navegava, palavra a palavra, fosse prosa ou fosse verso, a sua escrita era uma secreta ondulação, uma demanda daquele mar que só é não sendo. in O navegador sentado de Manuel Alegre

terça-feira, 12 de junho de 2007

Colecção de paragrafos.

Não sou o único coleccionador do mundo - conheço mesmo imensos -, talvez até todos nós tenhamos uma colecção, que, seja pública ou seja intima, guarda e é, senão mesmo, um pouco de nós.
Eu colecciono parágrafos. Repetindo: Tenho uma colecção de parágrafos. A minha imensa paixão pelos livros levou-me a reescrever esses parágrafos que, de uma forma ou de outra, me tocaram, me fazem pensar, mas sobretudo me fazem ler reler - e reler, até ao ponto de os coleccionar.
Aqui vou deixar o meu primeiro parágrafo, que no caso é o último da minha colecção.


Era um mestiço muito branco e misérrimo, mirrado, com cabelo ralo e revolto, alguém que tinha ultrapassado certamente há tempos aquela idade, em que começa a velhice, a anódina estação em que desaparecem as distâncias cronológicas e um homem pode ter setenta, oitenta e porventura noventa anos sem que se lhe note muito a diferença. Vestia uma camisa coçada, na qual restava apenas um botão e que o vento da fria e cinzenta manhã enfunava, deixando ver o peito glabro e ossudo de velho, que, um pouco curvado sobre si mesmo e tropeçando sobre as pedras da praia, andava de um lado para o outro, dando umas passadas de garça e ameaçando estatelar-se a cada passo.
in Travessuras da Menina Má de Mario Vargas Llosa

domingo, 10 de junho de 2007

Travessuras da Menina Má

Ricardo vê cumprido, muito cedo na vida, o sonho que sempre alimentara de viver em Paris. Mas o reencontro com um amor da adolescência mudará tudo. Essa jovem, inconformista, aventureira, pragmática e inquieta, arrastá-lo-á para fora do estreito mundo das suas ambições.
Criando uma admirável tensão entre o cómico e o trágico, Mario Vargas Llosa joga com a realidade e a ficção para dar vida a uma história na qual o amor se nos revela indefinível, senhor de mil caras, tal como a menina má.
Paixão e distância, sorte e destino, dor e prazer... Qual é o verdadeiro rosto do amor?
in Travessuras da menina má, romance de Mário Vargas Llosa.

Posso desfazer a mochila.

O dia acordou coberto de cinzentas nuvens, os meteorologistas não se enganaram – prevê-se um dia de chuva. Espectáculo já não chovia desde o dia 22 de Maio, que já recordava com saudades. De nada serve ter a mala pronta para um dia de escalada na Arrábida - fica para outro.
É neste dia de chuva que início este blog, que do dia recebeu o baptismo, e, é nele, onde vou dar um pouco de mim – virtualmente falando, claro – dos meus gostos, que são de factos muitos, dos quais alguns são verdadeiras paixões:

Livros: às centenas, que me fazem sonhar;
Filmes: essencialmente alternativo;
Reflexões: que me fazem pensar;
Aventura e desportos que pratico;
Quem sabe mais! Talvez de tudo um pouco.

Para já a manhã chuvosa serviu para terminar de ler Travessuras da menina má, de Mário Vargas Llosa, que de facto não foi um livro que me agradasse deveras por aí além. Porquê? Simplesmente porque depois de se ler a obra deste colossal autor, não se espera um romance deste género.
Mesmo assim Vargas Llosa está no meu top 5 de autores, nem podia ser de outra forma depois de ler Conversa na catedral, O falador e A Tia Júlia e o escrevedor.

A escalada fica para outro dia.