«O carácter resulta de seguirmos o nosso mais elevado sentido do bem e de confiar em ideias sem ter a certeza que resultam.» Richard Bach

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

“Cumpra a lei.”
A directora suspirou e abanou a cabeça.“Eu sei o que diz a lei. O problema é que neste país aprovam-se leis muito bonitas, mas não se dão condições para que elas sejam aplicadas. De que me serve ter uma lei que me obriga a ter um professor de ensino especial se não tenho dinheiro para o contratar? Pelo que me diz respeito, os senhores deputados até podem decretar… uh… sei lá, que se viva eternamente. Mas não é porque sai uma lei a dizer que se tem de viver eternamente que as pessoas vão cumprir essa lei. Seria uma lei irrealista. O mesmo se passa com este caso. Criou-se uma lei muito justa, muito linda, muito humana, mas, quando chega a hora de avançar com os carcanhóis não há nada para ninguém. Ou seja, a lei existe para se dizer que existe, para que alguém se gabe de ater aprovado. Mais nada.”
in O Codex 632, de José Rodrigues dos Santos.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade

Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.

Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.

Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te.
A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente

Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Ricardo Reis, 1-7-1916

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram;

in Os Lusíadas, de Camões

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

AS FONTES


Um dia quebrarei todas as pontes

Que ligam o meu ser, vivo e total

À agitação do mundo irreal

E calma subirei até às fontes.

Irei até às fontes onde mora

A plenitude, o límpido esplendor

Que me foi prometido em cada hora

E na face incompleta do amor.

Irei beber a luz e o amanhecer

Irei beber a voz dessa promessa

Que às vezes como um voo me atravessa

E nela cumprirei todo o meu ser.


Mafalda Arnauth, (Sophia de Melo Breyner / Luís Oliveira)

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O autor é um rapaz de 24 anos, calado, metido consi­go, que ganha a vida como praticante de escrita nos servi­ços administrativos dos Hospitais Civis de Lisboa, depois de ter estado a trabalhar durante mais de um ano como aprendiz de serralharia mecânica nas oficinas dos ditos Hospitais. Tem poucos livros em casa porque o ordenado é pequeno, mas leu na biblioteca municipal das Galveias, tempos atrás, tudo quanto a sua compreensão logrou alcan­çar. Ainda estava solteiro quando um caridoso colega da repartição, segundo-oficial, de apelido Figueiredo, lhe em­prestou trezentos escudos para comprar os livrinhos da colecção «Cadernos» da Editorial Inquérito. A sua primeira estante foi uma prateleira interior do guarda-louça fami­liar. Neste ano de 1947 em que estamos nascer-lhe-á uma filha, a quem medieval mente dará o nome de Violante, e publicará o romance que tem andado a escrever, esse a que chamou A Viúva mas que vai aparecer à luz do dia com um título a que nunca se há-de acostumar. Como no tempo em que viveu na aldeia já havia plantado umas quantas árvo­res, pouco mais lhe resta para fazer na vida. Supõe-se que escreveu este livro porque numa antiga conversa entre ami­gos, daquelas que têm os adolescentes, falando uns com os outros do que gostariam de ser quando fossem grandes, disse que queria ser escritor. Em mais novo o seu sonho era ser maquinista de caminho-de-ferro, e se não fosse por causa da miopia e da diminuta fortaleza física, imaginando que não perderia a coragem entretanto, teria ido para aviador militar. Acabou em manga-de-alpaca do último grau da escala hierárquica, e tão cumpridor e pontual que à hora de começar o serviço já está sentado à pequena mesa em que trabalha, ao lado da prensa das cópias. Não sabe dizer como lhe veio depois a ideia de escrever a história de uma viú­va ribatejana, ele que de Ribatejo saberia alguma coisa, mas de viúvas nada, e menos ainda, se existe o menos que nada, de viúvas novas e proprietárias de bens ao luar. Também não sabe explicar por que foi que escolheu a Parceria An­tónio Maria Pereira quando, com notável atrevimento, sem padrinhos, sem empenhos, sem recomendações, se decidiu a procurar um editor para o seu livro. E ficará para sem­pre como um dos mistérios impenetráveis da sua vida haver-lhe escrito Manuel Rodrigues, da Editorial Minerva, dizendo ter recebido A Viúva na sua casa por intermédio da Livraria Pax, de Braga, e que passasse ele pela Rua Luz Soriano, que era onde estava a editora. Em momento ne­nhum ousou o autor perguntar a Manuel Rodrigues por que aparecia a tal Pax metida no caso, quando a verdade é que só tinha enviado o livro à António Maria Pereira. Achou que não era prudente pedir explicações à sorte e dispôs-se a ouvir as condições que o editor da Minerva tivesse para lhe propor. Em primeiro lugar, não haveria pagamento de direitos. Em segundo lugar, o título do livro, sem atractivo comercial, deveria ser substituído. Tão pouco habituado estava o nosso autor a andar com tostões de sobra no bolso e tão agradecido a Manuel Rodrigues pela aventura arris­cada em que se ia meter, que não discutiu os aspectos ma­teriais de um contrato que nunca veio a passar de simples acordo verbal. Quanto ao rejeitado título, ainda conseguiu murmurar que iria tentar outro, mas o editor adiantou-se, que já o tinha, que não pensasse mais. O romance chamar­-se-ia Terra do Pecado. Aturdido pela vitória de ir ser pu­blicado e pela derrota de ver trocado o nome a esse outro filho, o autor baixou a cabeça e foi dali anunciar à família e aos amigos que as portas da literatura portuguesa se tinham aberto para ele. Não podia adivinhar que o livro terminaria a pouco lustrosa vida nas padiolas. Realmente, a julgar pela amostra, o futuro não terá muito a oferecer ao autor de A Viúva.
in Aviso de Apresentação do livro Terra do Pecado de Saramago.

domingo, 28 de outubro de 2007

Todos deveríamos em algum momento da nossa existência questionar as nossas vidas e analisar aquilo porque lutamos. Quem não o consegue fazer será escravo do sistema, viverá para trabalhar, cumprir obrigações profissionais e limitar-se-á a sobreviver. Por fim, sucumbirá no vazio. Augusto Cury

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Quase todos nós percorremos um longo caminho. Fomos de um mundo para outro, que era praticamente igual ao primeiro, esquecendo logo de onde viéramos, não nos preocupando para onde íamos, vivendo o momento presente. Tem alguma ideia de por quantas vidas tivemos de passar até chegarmos a ter a primeira intuição de que há na vida algo mais do que comer, ou lutar, ou ter uma posição importante dentro de um bando? Mil vidas, Fernão, dez mil! E depois mais cem vidas até começarmos a aprender que há uma coisa chamada perfeição, e ainda outras cem para nos convencermos de que o nosso objectivo na vida é encontrar essa perfeição e levá-la ao extremo. A mesma regra mantém-se para os que aqui estão agora, é claro: escolheremos o nosso próximo mundo através do que aprendermos neste. Não aprender nada significa que o próximo mundo será igual a este, com as mesmas limitações e pesos de chumbo a vencer. in Fernão Capêlo Gaivota de Richard Bach

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Como os leitores já viram, a oração, a celebração dos ofícios religiosos, a esmola, a consolação dos aflitos, a cultura de um canteiro, a fraternidade, a frugalidade, a hospitalidade, o desapego, a confiança, o estudo, o trabalho, ocupavam-lhe todos os momentos da existência. «Ocupavam» é o termo próprio, porque, efectivamente, cada dia de existência do bispo estava cheio de bons pensamentos, de boas palavras e de boas obras.
Deixava, porém, de ser completo, se a chuva ou o frio o inibiam de ir passear ao jardim uma ou duas horas antes de se deitar, depois de se terem acomodado as mulheres. Parecia que era para ele uma espécie de rito preparar-se para dormir pela meditação em presença dos grandes espectáculos da noite. Às vezes, a hora bastante adiantada da noite, ouviam ainda as duas mulheres, se acaso estavam acordadas, o rumor dos seus vagarosos passos no jardim. Ali permanecia a sós consigo, em plácido recolhimento e adoração, comparando a serenidade de seu coração com a do éter, impressionado no meio das trevas pelos esplendores visíveis das constelações e pelos visíveis esplendores de Deus, abrindo a alma aos pensamentos que descem do Desconhecido.
Nessas ocasiões, oferecendo o seu coração à hora en que as flores nocturnas oferecem o seu perfume, aceso como uma lâmpada no meio da noite estrelada, enlevado no meio do cintilar universal da Criação, nem ele mesmo saberia dizer o que se passava no seu espírito; sentia derramar-se dele qualquer coisa e descer sobre ele o que quer que fosse.
Misteriosas permutações entre os abismos da alma e os abismos do Universo!
Meditava sobre a grandeza e presença de Deus; sobre a eternidade futura, mistério extraordinário; sobre a eternidade passada, mistério mais extraordinário ainda; sobre todos os infinitos que se abismavam a seus olhos em todas as direcções; e, sem tentar compreender o incompreensível, limitava-se a fitá-lo. Não analisava Deus; deslumbrava-se. Reflectia sobre esses magníficos encontros de átomos que produzem o aspecto da matéria, revelam as forças provando as, criam as individualidades na unidade, as proporções na extensão, o inumerável no infinito; que, por meio da luz, produzem a beleza, e de cujo acabamento e constante renovação resulta a vida e a morte.
Sentava-se num banco de pau encostado a uma velha latada, e daí contemplava os astros por entre as enfezadas e raquíticas frondes das suas fruteiras. Aquele quarto de jeira tão mesquinhamente plantado, tão atulhado de casebres e cobertos, era-lhe caro e suficiente. Que mais necessitava o pobre velho, que dividia os ócios da sua existência, que tão curtos eram, entre a jardinagem de dia e a contemplação de noite? Aquele estreito recinto, com o céu por tecto, não lhe era bastante para poder adorar a Deus alternativamente nas Suas obras mais amenas e nas Suas obras mais sublimes?
Não era isto mais que suficiente?
Um pequeno jardim para passear e a vastidão para meditar.
Que mais podia ele querer?A seus pés, tinha o que cultivar-se e colher-se; por cima, o que se pode estudar e meditar, algumas flores na terra e todas as estrelas do céu.
in Os Miseráveis de Vitor Hugo

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

A Sociedade é a Imagem do Homem
O aperfeiçoamento da Humanidade depende do aperfeiçoamento de cada um dos indivíduos que a formam. Enquanto as partes não forem boas, o todo não pode ser bom. Os homens, na sua maioria, são ainda maus e é, por isso, que a sociedade enferma de tantos males. Não foi a sociedade que fez os homens; foram os homens que fizeram a sociedade.
Quando os homens se tornarem bons, a sociedade tornar-se-á boa, sejam quais forem as bases políticas e económicas em que ela assente. Dizia um bispo francês que preferia um bom muçulmano a um mau cristão. Assim deve ser. As instituições aparecem com as virtudes ou com os defeitos dos homens que as representam. Teixeira de Pascoaes, in "A Saudade e o Saudosismo"

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Assim falava aquele homem no recôndito da sua consciência, inclinado por sobre o que poderia chamar-se o seu próprio abismo. Ergueu-se da cadeira e pôs-se a passear no quarto.
- Vamos – disse ele –, não tornemos a pensar mais nisto! Já tomei a resolução que havia de tomar! - Não sentiu, porém, alegria nenhuma.
Pelo contrário.
Pretender obstar a que o pensamento volte a ocupar-se de uma ideia, seria o mesmo que querer impedir o mar de voltar a humedecer a areia da praia. Para o marinheiro, chama-se a isto a maré; para o criminoso, chama-se remorso. Agita Deus a alma, como agita o oceano.
Ao cabo de poucos instantes, tornou a travar esse sombrio diálogo, em que era ele que falava e quem escutava, dizendo o que desejaria calar, escutando o que desejaria não ouvir, cedendo a essa potência misteriosa que lhe dizia: pensa! Como há dois mil anos dizia a outro condenado: caminha!
Antes de irmos mais longe, e para sermos completamente compreendidos, insistamos numa observação necessária.
E certo que o homem fala a si mesmo; não há um único ser racional que o não tenha experimentado. Pode-se até dizer que o mistério do Verbo nunca é mais magnifico do que quando, no interior do homem, vai do pensamento à consciência, e volta da consciência ao pensamento. É somente neste sentido que devem ser entendidas as palavras, frequentemente empregadas neste capítulo: disse, exclamou. Diz, fala, exclama cada um consigo mesmo, sem que seja quebrado o silêncio exterior. Há um grande tumulto; tudo fala em nós, excepto a boca. As realidades da alma, por não serem visíveis e palpáveis, nem por isso deixam de ser também realidades.Perguntou, pois, a si mesmo aquele homem, onde estava. Interrogou-se sobre aquela «resolução tomada». Confessou a si mesmo que tudo o que ele acabava de dispor no seu espírito era monstruoso, que «deixar correr as coisas, deixar obrar o bom Deus» era nem mais nem menos do que uma coisa horrível. Deixar realizar aquele desacerto do destino e dos homens, não o impedir, antes favorecê-lo com o seu silêncio, nada fazer enfim, era fazer tudo! Era o último grau da indignidade hipócrita! Era um crime vilão, cobarde, dissimulado, abjecto e torpemente disforme! Aquele homem infeliz acabava de sentir pela primeira vez, havia oito anos, o sabor amargo de um mau pensamento e de uma má acção.
in Os Miseráveis de Vitor Hugo.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Fracassei muito, errei muito, conheci de perto as minhas limitações. Hoje tenho tido mais sucesso do que o que mereço. O dia em que achar que mereço tudo o que tenho deixarei de sonhar e criar. Serei estéril.


Aprendi que ninguém é digno do pódio se não usar as derrotas para o alcançar. Ninguém terá prazer no estrelato se desprezar a beleza das coisas simples no anonimato, pois nelas se escondem os segredos da felicidade.
in Nunca abandone os seus sonhos de Augusto Cury.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Precisamos de assistir à transgressão dos nossos limites e à vida que se processa livremente nas paragens onde nunca nos aventuramos. in Gerónimo - Por ele mesmo.

Na guerra de extermínio movida pela Democracia Americana contra os primitivos habitantes da pradaria, durante o século XIX, ninguém levou mais longe a resistência do que os apaches chiracahuas. O último chefe guerreiro a render-se à força da tropa branca foi Gerónimo, o exemplo acabado duma cultura cujos grandes valores eram a ligação à terra, o equilíbrio entre o homem e o meio, o culto da natureza, o desprendimento da propriedade. No fim da vida, Gerónimo ditou esta singular autobiografia, importante documento literário e histórico, que testemunha um dos mais violentos choques culturais entre Progresso e Natureza, Estado e Liberdade, no decorrer dos últimos séculos."
O livro de que vos falo chama-se "Gerónimo, por ele próprio", da editora Antígona. Foi uma mistura de curiosidade e ódio de estimação pelos supostos senhores da liberdade que me levaram a lê-lo, mas notei que este livro pode ser muito mais que isso. Recomendo-o vivamente a quem se interessar por este estilo de leitura.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista; o telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação. Em «César e Cleópatra» de Shaw, quando se fala da biblioteca de Alexandria, diz-se que ela é a memória da humanidade. O livro é isso e também algo mais: a imaginação. Pois o que é o nosso passado senão uma série de sonhos? Que diferença pode haver entre recordar sonhos e recordar o passado? Tal é a função que o livro realiza.
(...) Se lemos um livro antigo, é como se lêssemos todo o tempo que transcorreu até nós desde o dia em que ele foi escrito. Por isso convém manter o culto do livro. O livro pode estar cheio de coisas erradas, podemos não estar de acordo com as opiniões do autor, mas mesmo assim conserva alguma coisa de sagrado, algo de divino, não para ser objecto de respeito supersticioso, mas para que o abordemos com o desejo de encontrar felicidade, de encontrar sabedoria.
Jorge Luís Borges, in 'Ensaio: O Livro'

domingo, 16 de setembro de 2007

Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de pratica. Porque da jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque e mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calcas e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e a mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-socio-bio-ecologica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, e na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado e que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "ta tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananoides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que e como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor e uma coisa, a vida e outra. O amor não e para ser uma ajudinha. Não e para ser o alivio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "da lá um jeitinho sentimental".
Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja.
Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor e amor. E essa beleza. E esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não e para nos ajudar, não e para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. E uma questão de azar. O nosso amor não e para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor e uma coisa, a vida e outra. A vida as vezes mata o amor. A "vidinha" e uma convivência assassina. O amor puro não e um meio, não e um fim, não e um principio, não e um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não da para perceber. O amor e um estado de quem se sente. O amor e a nossa alma. E a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor e uma verdade. E por isso que a ilusão e necessária. A ilusão e bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor e uma coisa, a vida e outra. A realidade pode matar, o amor e mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não e ela que nos acompanha – e o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não e para perceber. E sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.
A vida e uma coisa, o amor e outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E vale-la também.
Miguel Esteves Cardoso in Expresso

sábado, 15 de setembro de 2007

Saqueando todos estes livros, pude descrever a outros leitores tempos em que não vivi e lugares que nunca vi. Mas tal é também a função da literatura, ou não será?


Tomei grandes liberdades com a história, convencido de que, como dizia Manzoni, «o escritor deve aproveitar-se da história, sem pretender fazer-lhe concorrência».
in A Ultima Fronteira, de Bruno Arpaia.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

... um dos mal-entendidos que dominam a noção de biblioteca é o facto de se pensar que se vai à biblioteca pedir um livro cujo título se conhece. Na verdade acontece muitas vezes ir-se a biblioteca porque se quer um livro cujo título se conhece, mas a principal função da biblioteca, pelo menos a função da biblioteca da minha casa ou da de qualquer amigo que possamos ir visitar, é de descobrir livros de cuja existência não se suspeitava e que, todavia, se revelam extremamente importantes para nós.
…a função ideal de uma biblioteca é de ser um pouco como a loja de um alfarrabista, algo onde se podem fazer verdadeiros achados, e esta função só pode ser permitida por meio do livre acesso aos corredores das estantes.
…se a biblioteca é, como pretende Borges, um modelo do Universo, tentemos transformá-la num universo à medida do homem e, volto a recordar, à medida do homem quer também dizer alegre, com a possibilidade de se tomar um café, com a possibilidade de dois estudantes numa tarde se sentarem numa maple e, não digo de se entregarem a um amplexo indecente, mas de consumarem parte do seu flirt na biblioteca, enquanto retiram ou voltam a pôr nas estantes alguns livros de interesse cientifico, isto é, uma biblioteca onde apeteça ir, e que se vá transformando gradualmente numa grande máquina de tempos livres…
in A Biblioteca de Umberto Eco.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Diz-se que quem cala, consente. A gadanha havia calado, portanto tinha consentido. Envolvida no seu lençol, com o capuz atirado para trás a fim de desafogar a visão, a morte sentou-se a trabalhar. Escreveu, escreveu, passaram as horas e ela a escrever, e eram as cartas, e eram os sobrescritos, e era dobrá-las, e era fechá-los, perguntar-se-á como o conseguia se não tem língua nem de onde lhe venha a saliva, isso, meus caros senhores, foi nos felizes tempos do artesanato, quando ainda vivíamos nas cavernas de uma modernidade que mal começava a despontar, agora os sobrescritos são dos chamados autocolantes, retira-se-lhes a tirinha de papel, e já está, dos múltiplos empregos que a língua tinha, pode dizer-se que este passou à história. A morte só não chegou ao fim com o pulso aberto depois de tão grande esforço porque, em verdade, aberto já ela o tem desde sempre. São modos de falar que se nos pegam à linguagem, continuamos a usá-los mesmo depois de se terem desviado há muito do sentido original, e não nos damos conta de que, por exemplo, no caso desta nossa morte que por aqui tem andado em figura de esqueleto, o pulso já lhe veio aberto de nascença, basta ver a radiografia. in As Intermitências da Morte de José Saramago.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

É meu e vosso este fado
Destino que nos amarra
Por mais que seja negado
Às cordas de uma guitarra
Sempre que se ouve o gemido
De uma guitarra a cantar
Fica-se logo perdido
Com vontade de chorar
Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que recebi
E pareceria ternura
Se eu me deixasse embalar
Era maior a amargura
Menos triste o meu cantar
Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que recebi


Ó Gente Da Minha Terra, Mariza

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada. in As intermitências da morte de José Saramago.

Que saudades que eu já tinha de saramago. Agora as noites, mesmo longe, começam - adormeço - com a harmonia destas palavras.

sábado, 18 de agosto de 2007

Todo o Mal Provém não da Privação mas do Supérfluo

Ser feliz é, afinal, não esperar muito da felicidade, ser feliz é ser simples, desambicioso, é saber dosear as aspirações até àquela medida que põe o que se deseja ao nosso alcance. Pegando de novo em Tolstoi, que vem sendo em mim um padrão tutelar, lembremos de novo um dos seus heróis, o príncipe Pedro Bezoukhov (do romance 'Guerra e Paz'). As circunstâncias fizeram-no conviver no cativeiro com um símbolo da sabedoria popular, um tal Karataiev. Pois esse companheirismo desinteressado e genuíno, esse encontro com a vida crua mas desmistificadora, não só modificaram o príncipe Pedro como lhe revelaram o que ele precisava de saber para atingir o que nós, pobres humanos, debalde perseguimos: a coerência, a pacificação interior, que são correctivos da desventura.
Tolstoi salienta-nos que Pedro, após essa vivência, apreendera, não pela razão mas por todo o seu ser, que o homem nasceu para a felicidade e que todo o mal provém não da privação mas do supérfluo, e que, enfim, não há grandeza onde não haja verdade e desapego pelo efémero. Isto, aliás, nos é repetido por outra figura de Tolstoi, a princesa Maria, ao acautelar-nos com esta síntese desoladora: «Todos lutam, sofrem e se angustiam, todos corrompem a alma para atingir bens fugazes».
Fernando Namora, in 'Sentados na Relva'

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

A nossa época é essencialmente trágica, por isso nos recusamos a aceitá-la tragicamente. O cataclismo deu-se, estamos entre as ruínas, desatamos a construir novos pequenos habitat, a alimentar novas esperançazinhas. É uma tarefa difícil, já não há nenhuma esperança suave em direcção ao futuro: rodeamos os obstáculos, ou passamos por cima deles. seja qual for o número de réus que desabem, temos de viver.Esta era, mais ou menos, a posição de Constance Chateterley. A guerra tinha sido como um tecto que lhe caísse em cima, e ela compreendera que seria necessário viver e aprender. in O Amante de Lady Chatterley de D.H. Lawrence.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Que dia de M.... - mau, a chover no meu país e eu aqui, longe de casa e da chuva que nela cai.


Mas as convulsões não serão porventura as mesmas, quer o sangue se esgote gota a gota, quer a inteligência se apague pensamento a pensamento. in O Último Dia de um Condenado de Vitos Hugo.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Livros sempre Presentes

Não viajo sem livros, nem na paz, nem na guerra... pois não se pode dizer o quanto eu me repouso e demoro nessa consideração de que eles estão ao meu lado para me darem prazer quando preciso e em reconhecer quanta ajuda eles me trazem à vida. É a melhor provisão que tenho encontrado para esta viagem humana e sinto uma pena extrema das pessoas inteligentes que deles se privam. Michel de Montaigne, in 'Dos Três Comércios'

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

As Qualidades dos Outros

Devido ao homem ter tendência para ser parcial para com aqueles a quem ama, injusto para com aqueles a quem odeia, servil para com os seus superiores, arrogante para com os seus inferiores, cruel ou indulgente para com os que estão na miséria ou na desgraça, é que se torna tão difícil encontrar alguém capaz de exercer um julgamento perfeito sobre as qualidades dos outros.
Confúcio, in 'A Sabedoria de Confúcio'

domingo, 12 de agosto de 2007

Memorial Do Convento

Um pouco retirado, o velho João Francisco entrança uma soga de couro, ouve falar mas dá pouca atenção ao que estão dizendo, já sabe que o filho partirá uma destas semanas e quer-lhe mal por isso, ir-se outra vez embora, assim, depois de andar aqueles anos na guerra, Bem feito que tornasse sem a mão direita, é tal o amor que chegam a pensar-se coisas destas. Blimunda le­vantou-se, atravessou o quintal e saiu para o campo, debaixo das oliveiras que subiam pela encosta até aos marcos da obra, ia enterrando as tamancas grossas no alqueive que a chuva amaciara, se fosse descalça e pisasse pedras agudas, não as sentiria, como seria possível doer-lhe esse pouco, se toda ela está cheia do horror de ter ousado o que esta manhã ousou, aproximar-se da mesa da comunhão em jejum, fingiu comer o seu pão ainda deitada, como de costume e necessidade, mas não o comeu, depois andou sempre de olhos baixos, fingindo compungimento e devoção em casa, e assim"' entrou na igreja, esteve no ofício como se a prostrasse a presença de Deus, ouviu o sermão sem levantar a cabeça, esmagada, ao parecer, por todas as ameaças de inferno que caíam do púlpito, e enfim foi receber a sagrada partícula, e viu. Duran­te todos estes anos, desde que se revelara o dom que possuía, sempre comungara em pecado, com alimento no estômago, e hoje decidira, sem nada dizer a Baltasar, que iria em jejum, não para receber a Deus, mas para o ver, se ele lá estava. Sentou-se na raiz levantada duma oliveira, via-se dali o mar confundido com o horizonte, decerto estaria chovendo com força sobre as águas, então encheram-se de lágrimas os olhos de Blimunda, um grande soluço lhe sacudiu os ombros, e Baltasar tocou-lhe na cabeça, aproximara-se e ela não o ouvira, Que foi que viste na hóstia, afinal não o iludira a ele, como seria possível se dormem juntos e todas as noites se procuram e encontram, quer dizer, não serão todas, é certo que há seis anos que vivem como marido e mulher, Vi uma nuvem fechada, respondeu ela. Baltasar sentou-se no chão não chegara ali a relha do arado, havia ervas secas, agora húmidas da chuva, mas esta gente popular não é mimosa, senta-se ou deita-se onde calha, melhor se pode um homem pousar a cabeça no regaço da mulher, estou que foi esse o último gesto quando as águas do dilúvio já afogavam o mun­do. E Blimunda disse, Esperava ver Cristo crucificado, ou ressurrecto em glória, e vi uma nuvem fechada, Não penses mais no que viste, Penso, como não hei-de pensar, se o que está dentro da hóstia é o que está dentro do homem, que é a religião, afinal, falta-nos aqui o padre Bartolomeu Louren­ço, talvez ele soubesse explicar-nos este mistério, Talvez não soubesse, talvez nem tudo possa ser explicado, quem sabe, e, mal foram estas palavras ditas, pôs-se a chuva a cair com mais força, sinal de sim, sinal de não, o céu agora uma pega­da nuvem, mulher e homem debaixo duma árvore, nenhum filho nos braços, afinal não é certo que as situações se repi­tam, e os lugares são outros, e os tempos também, diferente a própria árvore, mas da chuva diremos que é o mesmo consolo da pele e da terra, vida que sendo excessiva mata, mas a isso nos habituámos desde o começo do mundo, sen­do o vento maneiro mói o cereal, mas se é ponteiro rasga as velas do moinho, Entre a vida e a morte, disse Blimun­da, há uma nuvem fechada. in Memorial do Convento de Saramago

sábado, 11 de agosto de 2007

As suas asas eram barras de chumbo despedaçado, mas o peso do fracasso era-lhe mais doloroso. in Fernão Capêlo Gaivota de Richard Bach

sexta-feira, 10 de agosto de 2007


As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudade
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir
Há gente que fica na história
Da história da gente
E outras de quem nem o nome
Lembramos ouvir
São emoções que dão vida
À saudade que trago
Aquelas que tive contigo
E acabei por perder
Há dias que marcam a alma
E a vida da gente
E aquele em que tu me deixaste
Não posso esquecer
A chuva molhava-me o rosto
Gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha
Já eu percorrera
Ai, meu choro de moça perdida
Gritava à cidade
Que o fogo do amor sob a chuva
À instantes morrera
A chuva ouviu e calou
Meu segredo à cidade e eis que ela bate no vidro
Trazendo a saudade


CHUVA, fado de Mariza

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Após umas duas semanas de adaptação a uma nova vida, que espero curta, a normalidade voltou. Para iniciar esta fase, que de distância é, resolvi ler um dos livros que trazia na minha algibeira, Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco, escrito em 1862. É o mais famoso romance do autor, um dos expoentes do romantismo em Portugal, que se assume como uma espécie de "Romeu e Julieta" português.

Não conhecia e fiquei impressionado pela positiva. Aqui deixo para os curiosos um breve resumo da Obra, em que o Narrador se apresenta na primeira pessoa, e apenas se identifica no final do livro como filho de Manuel Botelho, irmão de Simão:Simão Botelho e Teresa de Albuquerque pertencem a famílias distintas, que se odeiam – qual Romeu e Julieta. Moradores de casas vizinhas, em Viseu, acabam por se apaixonar e manter um namoro silencioso através das janelas próximas. Ambas as famílias, desconfiadas, fazem de tudo para combater a união amorosa. Tadeu de Albuquerque (o pai de Teresa), após recorrentes tentativas de casar sua filha com um primo acaba por interná-la em um convento. Após luta travada com os criados do primo de Teresa, Simão Botelho permanece na casa de um ferreiro devedor de favores ao seu pai. A filha do ferreiro, Mariana, acaba também por se apaixonar por Simão, constituindo um triângulo amoroso. Teresa e Simão mantêm contacto por cartas. Este, numa tentativa de resgatar Teresa do convento, acaba por atirar no primo de Teresa, Baltasar, e é condenado ao degredo na Índia. Ao embarcar, vê Teresa, que morre logo em seguida. Nove dias depois, doente, Simão acaba por morrer também, e no momento em que vão lançar o corpo ao mar, morre Mariana, filha do ferreiro.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Há dias em que a voz me embala a alma, porque a alma está triste. Outros, que a alma me embala a voz, porque a voz está triste. Acontece por vezes que sinto tantas saudades de casa, dos que me são queridos, de falar português e de sentir que estou cá, que é a voz que me vai falar à alma. Porque ela está triste e magoada. A voz também tem alma e energia própria e por isso também sofre. Esta tristeza tem a ver com o facto de cantar muitas vezes para públicos que me vão ouvir pela primeira vez. Sinto um medo enorme. O que é que me vai acontecer? É nestes dias que a alma tem mesmo de me embalar a voz. Mariza, in Jornal de Leiria de 23 de Agosto de 2006
- Estorvar-me, tu? Oh, Goldmundo, ninguém mais do que tu me ajudou. Trouxeste-me dificuldades, mas eu não sou inimigo de dificuldades. Aprendi com elas e venci-as, em parte.


Até lá, porém, mestre, não quero continuar no ofício a polir figuras, a esculpir púlpitos, a passar a vida encerrado na oficina, a ganhar dinheiro e a tornar-me igual a todos os artífices; não isso não. Quero viver e correr mundo, sentir o Verão e o Inverno, provar a beleza e terror da vida. Quero sofrer fome e sede, quero esquecer e libertar-me de tudo o que vivi e aprendi convosco. Gostaria de fazer, mais tarde, algo tão belo e profundamente comovente como a vossa madona, mestre – mas não queria tornar-me igual a vós nem viver como vós viveis.
in Narciso e Goldmundo de Herman Hesse.

sábado, 4 de agosto de 2007

É certo que tenho querido imprimir em alguns de meus livros o cunho da utilidade com o valor da linguagem sã e ajeitada à expressão de ideias, que pareciam estranhas, como de feito eram, e não se nos deparam nos escritos dos Sousas, Lucenas e Bernardes. Em verdade, foi isto mirar muito longe com vista muito curta; assim mesmo, fiz o que pude; e neste livro direi que fiz menos do que podia. Nos quinze atormentados dias em que o escrevi faleceu-me o vagar e contenção que requer o acepilhar e brunir períodos. O que eu queria era afogar as horas, e afogar talvez a necessidade de vender o meu tempo, as minhas meditações silenciosas, e o direito de me espreguiçar como toda a gente, e o prazer ainda de ser tão lustroso na linguagem, quanto, em diversas circunstâncias, podia ser. in Prefácio da 2ª Edição de Amor de Perdição de Camilo Castelo-Branco.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Assim Foram morrendo os dias e com os dias os anos, mas algo parecido com a felicidade ocorreu uma manhã. Choveu, com poderosa lentidão.

(…) Entrei para o Partido.
Pouco direi de meus anos de aprendizagem. Foram mais duros para mim que para muitos outros, já que, apesar de não carecer de valor, me faltava vocação para violência. Compreendi, entretanto que estávamos à beira de um tempo novo e que esse tempo, comparável às épocas iniciais do islamismo e do cristianismo, exigia homens novos. Individualmente, os meus camaradas eram-me odiosos; em vão procurei raciocinar que, para o alto fim que nos congregava, não éramos indivíduos.
in o Aleph de Jorge Luis Borges.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

O amor prospera na espera. A espera vai caminhando pelos espaçosos campos do Tempo no sentido da Ocasião.

Quanto a mim, creio que sou um homem probo: sou fiel aos meus amigos, não minto senão quando faço uma declaração de amor, amo o saber e, pelo que dizem, faço bons versos. Por isso as damas consideram-me galante. Queria escrever romances, que estão muito na moda, mas penso em muitos deles e não me atrevo a escrever nenhum…”
- Em que romances pensais?- Às vezes olho a lua, e imagino que aquelas manchas são cavernas, cidades e ilhas, os lugares que brilham são aqueles onde o mar recebe a luz do Sol como o vidro de um espelho. Queria contar a história do seu rei, das suas guerras e das suas revoluções, ou as infelicidades dos amantes de lá que no decorrer das suas noites suspiram olhando a nossa terra. Gostaria de contar da guerra e amizade entre as várias partes do corpo, os braços que dão batalha aos pés, e as veias que fazem amor com as artérias, ou os ossos com o miolo. Perseguem-me todos os romances que eu desejaria escrever. Quando estou no meu quarto parece-me que estão todos a minha volta, como diabinhos, e que um pe puxa por uma orelha, outro pelo nariz, e que cada um deles me diz: «Senhor, fazei-me, sou belíssimo.»
in A ilha do dia antes de Umberto Eco

sábado, 21 de julho de 2007

Eu não existo para impressionar o mundo. Existo para viver a minha vida de uma forma que me faça feliz.


Nada é Complicado se nos Prepararmos Previamente.

Se, antes de começarmos a falar, determinarmos e escolhermos, previamente, as palavras, a nossa conversa não será vacilante nem ambígua. Se em todos os nossos negócios e empresas determinarmos e planearmos, previamente, as etapas da nossa actuação, obteremos o êxito. Se determinarmos com bastante antecedência a nossa norma de conduta na vida, em nenhum momento seremos assaltados pela inquietação. Se sabemos, previamente, quais são os nossos deveres, será fácil darmos-lhes cumprimento. Confúcio
Considero a televisão uma coisa muito educativa, porque cada vez que alguém a liga na sala vou para o meu quarto ler um livro...


Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam! Não duro nem para metade da livraria! Deve haver certamente outras maneiras de uma pessoa se salvar, senão... estou perdido. in A Invenção do Dia Claro de Almada Negreiros

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Adoro as metamorfoses – suspirou, fazendo o vinho rodar no seu copo. – A madeira que se transforma em livro. O Inverno que se transforma em Primavera. A uva que se transforma em vinho.
Voltou-se para Paolo.
- E a criança que se transforma em homem.



- És assim tão velho?
- Já não me restam muitos livros por ler. – Respondia. in
As Lágrimas do Assassino de Anne-Laure Bondoux

sábado, 7 de julho de 2007

Ainda me lembro daquele amanhecer em que o meu pai me levou pela primeira vez a visitar o cemitério dos Livros Esquecidos. Desfiavam-se os primeiros dias do Verão de 1945 e caminhávamos pelas ruas de uma Barcelona apanhada sob céus de cinza e um sol de vapor que se derramava sobre a Rambla de Santa Mónica numa grinalda de cobre líquido. - Não podes contar a ninguém aquilo que vais ver hoje, Daniel - advertiu o meu pai. - Nem ao teu amigo Tomás. A ninguém.

- Este lugar é um mistério, Daniel, um santuário. Cada livro, cada volume que vês, tem alma. A alma de quem o escreveu e a alma dos que o leram e viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro muda de mãos, cada vez que alguém desliza o olhar pelas suas páginas, o seu espírito cresce e torna-se forte. Há já muitos anos, quando o meu pai me trouxe pela primeira vez aqui, este lugar já era velho. Talvez tão velho como a própria cidade. Ninguém sabe de ciência certa desde quando existe, ou quem o criou. Dir-te-ei o que o meu pai me disse a mim. Quando uma biblioteca desaparece, quando uma livraria fecha as suas portas, quando um livro se perde no esquecimento, os que conhecemos este lugar, os guardiães, asseguramo-nos de que chegue aqui. Neste lugar, os livros de que já ninguém lembra, os livros que se perderão no tempo, vivem para sempre, esperando chegar um dia ás mãos de um novo leitor, de um novo espírito. Na loja nós vendemo-los e compramo-los, mas na realidade os livros não têm dono. Cada livro que aqui vês foi o melhor amigo de alguém. Agora só nos têm a nós, Daniel. Achas que vais poder guardar este segredo?
in A Sombra do Vento de Carloz Ruiz Zafón

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Mas isto, confessemo-lo sem vergonha, é uma terra de ladrões, olho vê, mão pilha, e sendo a fé tanta, ainda que sempre recompensada, maior é o descanso e a impiedade com que se salteiam igrejas. in Memorial do Convento, de José Saramago.
Nós, homens, somos frágeis, mas, em verdade, temos de ajudar a nossa própria morte. É talvez uma questão de honra nossa: não ficarmos assim inermes, entregues, darmos de nós qualquer coisa, ou então para que serviria estar no mundo? O cutelo da guilhotina corta, mas quem dá o pescoço? O condenado. As balas das espingardas perfuram, mas quem dá o peito? O fuzilado. A morte tem esta peculiar beleza de ser tão clara como uma demonstração matemática, tão simples como unir com uma linha dois pontos, desde que ela não exceda o cumprimento da régua. in Cadeira (Objecto Quase), de José Saramago.

domingo, 1 de julho de 2007

Este país.

Não há nada pior que um ajuntamento espontâneo de populares. Juntam-se muito neste país. É para ver quem morreu ou para espancar um desgraçado que matou os filhos e as galinhas. É para jogar à vermelhinha ou para comprar Lacostes da treta que, em vez de crocodilo, têm um sardão das Berlengas. À mínima desculpa os populares, que estão maçados e anseiam distracção, juntam-se. Deveria ser proibido, fora de feiras e romarias. Bem vistas as coisas, também deveriam ser proibidas as feiras e romarias, porque já está demonstrado que encorajam o contacto entre as pessoas.


Os portugueses são tão comedidos e cerimoniosos a falar, como violentos e insubordinados a escrever. Ao contrário dos outros povos latinos, os portugueses, quando a mostarda lhes sobe ao nariz não explodem in loco. Mordem o lábio, pegam num papel e numa caneta e deitam a raiva toda para a tinta. Se em Itália, por exemplo, os italianos gritam e gesticulam, dizendo coisas que não se podem ou conseguem escrever, em Portugal, os portugueses escrevem o indizível. Abandonam os rodeios e os formalismos que ritualizam a nossa vida quotidiana e, no silêncio ensimesmado da escrita, usam as linhas do papel como rastilhos curtos para bombas grandes. Só não se sentem à vontade numa coisa: a primeira linha.
in Os Meus Problemas, de Miguel Esteves Cardoso

Amizade

Se o critiquei cruamente nesta memória, foi porque era meu amigo, e eu queria que ele fosse maior e melhor. in Viriato - O colar dos deuses, de Fernando Barrejón

sábado, 30 de junho de 2007

Civilização... O que é?

Na terra tudo vive – e só o homem sente a dor e desilusão da vida. E tanto as sente, quanto mais alarga e acumula a obra dessa inteligência que o torna homem, e que o separa da restante natureza, impensante e inerte. É no máximo da civilização que ele experimenta o máximo de tédio. A sapiência, portanto, está em recuar até esse modesto mínimo de civilização, que consiste em ter um tecto de colmo, uma leira de terra e um grão para nela semear. Em resumo, para reaver a felicidade, é necessário regressar ao paraíso – e ficar lá, quieto, na sua folha de vinha, inteiramente desguarnecido de civilização, contemplando o anho aos saltos entre o tomilho, e sem procurar, nem com o desejo, a arvore funesta da ciência! in Civilização, de Eça de Queirós

sexta-feira, 29 de junho de 2007

O Que fez Bastian?

As paixões humanas são misteriosas, e as das crianças não os são menos que as dos adultos. As pessoas que as experimentaram não as sabem explicar, e as que as nunca as viveram não as podem compreender. Há pessoas que arriscam a vida para atingir o cume de uma montanha. Ninguém é capaz de explicar porquê, nem mesmo elas. Outras arruinaram-se para conquistar o coração de uma determinada pessoa que não quer saber delas para nada. Outras destroem-se a si mesmas porque não são capazes de resistir aos prazeres da mesa – ou da garrafa. Outras ainda arriscam quanto possuem num jogo de azar, ou sacrificam tudo a uma ideia fixa que nunca se pode realizar. Algumas pensam que só podem ser felizes noutro sítio que não naquele onde estão e vagueiam pelo mundo durante toda a vida. Há ainda as que não descansam enquanto não conquistam o poder. Em suma, há tantas paixões diferentes quantas as pessoas. A paixão de Bastian Baltazar Bux eram os livros. Quem nunca passou tardes inteiras diante de um livro, com as orelhas a arder e o cabelo caído para a cara esquecido de tudo o que o rodeia e sem se dar conta de que está com fome ou com frio. Quem nunca se escondeu por debaixo dos cobertores da cama a ler um livro à luz da lanterna eléctrica, depois de o pai ou a mãe ou qualquer outro adulto lhe ter apagado a luz, com o argumento bem-intencionado de que são horas de ir para a cama, pois no dia seguinte é preciso levantar cedo... Quem nuca chorou, às escondidas ou diante de toda a gente, lágrimas amargas porque uma história maravilhosa chegou ao fim e é preciso dizer adeus a personagens na companhia dos quais se viveram tantas aventuras, que se amaram e se admiraram, pelas quais se temeu ou ansiou, e sem cuja companhia a vida parece vazia e sem sentido… Quem não conhece tudo isto por experiência própria provavelmente não pode compreender o que Bastian fez em seguida.Olhou fixamente o título do livro e sentiu, ao mesmo tempo, arrepios de frio e ondas de calor. Aqui estava uma coisa com que tinha já sonhado muitas vezes, que tinha desejado muitas vezes desde que contraíra a sua paixão secreta: uma história que nunca acabasse! O livro dos livros! in Uma História Interminável, de Michael Ende.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Recomeço leituras, depois do estudo :)

Depois de muito estudo para muito fraco produto - é tão mau saber a matéria e depois levar com um exame destes.
Mas os dias, de tardes más, podem ter noites sorridentes: eu esta noite volto a sorrir. Com o adiamento das frequências de Clássicas II e de Pré-Clássicas, tenho uns dias para dedicar ao prazer da leitura pela leitura. O regresso ao estudo está marcado para dia 12 de Julho e do outro lado do mundo (Timor).
E, foi numa tarde deste tipo - que não consigo defenir de que tipo se trata -, comecei a ler O Amante de Lady Chatterley, de D.H. Lowrence. Não é que coleccionei de imediato um parágrafo, logo na primeira página, logo o primeiro parágrafo. Aqui está:

A nossa época é essencialmente trágica, por isso nos recusamos a aceitá-la tragicamente. O cataclismo deu-se, estamos entre as ruínas, desatamos a construir novos pequenos habitat, a alimentar novas esperançazinhas. É uma tarefa difícil, já não há nenhuma esperança suave em direcção ao futuro: rodeamos os obstáculos, ou passamos por cima deles. seja qual for o número de réus que desabem, temos de viver.
Esta era, mais ou menos, a posição de Constance Chateterley. A guerra tinha sido como um tecto que lhe caísse em cima, e ela compreendera que seria necessário viver e aprender. in O Amante de Lady Chatterley de D.H. Lowrence

domingo, 24 de junho de 2007

Para Timor-Lorosae dia 09 Julho.

Agora que a data está marcada, que o voo se aproxima - dia nove de Julho - e Timor está cada vez mais perto, a saudade - que ainda não sinto - algures espera qua a sinta.
Saudoso, amanhã, pelo que hoje sinto.


Paragráfo da Minha Colecção:
- Porque não tentas? Perguntou Paolo, acariciando as folhas com as costas da mão.

- Fazer a volta ao mundo? Porque está para além das minhas forças. Sou como uma vinha que só consegue viver num certo tipo de solo, nos socalcos desta ou daquela encosta, num ângulo preciso em relação ao sol. Se me mudam de lugar, morro. in As Lágimas do Assassino de Anne.Laure Bondoux.

sábado, 23 de junho de 2007

Dou aulas de Levitação...

Paragráfos da Minha Colecçaõ:
Não gosto de festas. Aborrece-me a conversa fiada, o fumo, a alegria fátua dos bêbados. Irritam-me ainda mais os pratos de plástico. Os talheres de plástico. Os copos de plástico. Servem-me coelho assado num prato de plástico, forçam-me a comer com talheres de plástico, o prato nos joelhos, porque não há mais lugares à mesa, e inevitavelmente o garfo quebra-se. A carne salta e cai-me nas calças. Derramo o vinho. Além disso odeio coelho. Faço um esforço enorme para que ninguém repare em mim, mas há sempre uma mulher que, a dada altura, me puxa pelo braço, vamos dançar?, e lá vou eu, de rastos, atordoado pelo estrídulo dissonante dos perfumes e o volume da música. Terminado o número, um tanto humilhado porque, confesso, tenho o pé pesado, sirvo-me de um uísque, com muito gelo, mas logo alguém me sacode, o que foi, meu velho, estás chateado?, e eu, que não, esforçando-me por sorrir, esforçando-me por rir às gargalhadas, como o resto da chusma, chateado? por que havia de estar chateado?, o dever da alegria chama-me, grito, lá vou, lá vou, e regresso à pista, e finjo que danço, finjo que estou feliz, pulando para a direita, pulando para a esquerda, até que se esqueçam de mim. Naquela noite estava quase a ser esquecido quando reparei num sujeito alto, todo vestido de branco, como um lírio, alva cabeleira à solta pelos ombros, a rondar sombriamente os pastéis de bacalhau. O homem parecia estar ali por engano. Achei-o de repente tão desamparado quanto eu. Podia ser eu, excepto pela roupa, pois evito o branco. O branco não é muito apropriado para o meu negócio. Menos ainda as cores garridas. Obedeço ao lugar-comum — visto-me de negro. Aproximei-me do homem, numa solidariedade de náufrago, e estendi-lhe a mão.
— Sou Fulano — disse-lhe. — Vendo caixões.
A mão do homem (entre a minha) era lassa e pálida. Os olhos tinham um brilho escuro, vago, como um lago, à noite, iluminado pela luz do luar. A maioria das pessoas não consegue disfarçar o choque, ou o riso, depende da circunstância, quando escutam a palavra caixões. Alguns hesitam: paixões? Não, corrijo, caixões. O sujeito, porém, permaneceu imperturbável.
— Nenhum nome é verdadeiro —, respondeu-me, com forte sotaque pernambucano. — Mas pode me chamar Emanuel Subtil.
— E o que faz o senhor?
— Sou professor...
— Ah Sim? E de quê?
Emanuel Subtil sacudiu a cabeleira num movimento distraído:
— Dou aulas de levitação.— Levitação?!
in Manual prático de levitação, de José Eduardo Agualusa

domingo, 17 de junho de 2007

Agora que vou...

Agora que o tempo de ir quase aqui está, para dar inicio a um tempo em que aqui não estou, porque o caminho para Timor no meio está.
Vou somente porque tenho de ir.


Parágrafo da Minha Colecção:
Por vezes ele abria o caderno, pegava na caneta, acendia um cigarro e punha-se a escrever. Era então que verdadeiramente ele rumava ao Sul. Aquele caderno era de súbito o alto mar, e cada palavra escrita uma singradura. Ele não escrevia, navegava, linha a linha navegava, palavra a palavra, fosse prosa ou fosse verso, a sua escrita era uma secreta ondulação, uma demanda daquele mar que só é não sendo. in O navegador sentado de Manuel Alegre

terça-feira, 12 de junho de 2007

Colecção de paragrafos.

Não sou o único coleccionador do mundo - conheço mesmo imensos -, talvez até todos nós tenhamos uma colecção, que, seja pública ou seja intima, guarda e é, senão mesmo, um pouco de nós.
Eu colecciono parágrafos. Repetindo: Tenho uma colecção de parágrafos. A minha imensa paixão pelos livros levou-me a reescrever esses parágrafos que, de uma forma ou de outra, me tocaram, me fazem pensar, mas sobretudo me fazem ler reler - e reler, até ao ponto de os coleccionar.
Aqui vou deixar o meu primeiro parágrafo, que no caso é o último da minha colecção.


Era um mestiço muito branco e misérrimo, mirrado, com cabelo ralo e revolto, alguém que tinha ultrapassado certamente há tempos aquela idade, em que começa a velhice, a anódina estação em que desaparecem as distâncias cronológicas e um homem pode ter setenta, oitenta e porventura noventa anos sem que se lhe note muito a diferença. Vestia uma camisa coçada, na qual restava apenas um botão e que o vento da fria e cinzenta manhã enfunava, deixando ver o peito glabro e ossudo de velho, que, um pouco curvado sobre si mesmo e tropeçando sobre as pedras da praia, andava de um lado para o outro, dando umas passadas de garça e ameaçando estatelar-se a cada passo.
in Travessuras da Menina Má de Mario Vargas Llosa

domingo, 10 de junho de 2007

Travessuras da Menina Má

Ricardo vê cumprido, muito cedo na vida, o sonho que sempre alimentara de viver em Paris. Mas o reencontro com um amor da adolescência mudará tudo. Essa jovem, inconformista, aventureira, pragmática e inquieta, arrastá-lo-á para fora do estreito mundo das suas ambições.
Criando uma admirável tensão entre o cómico e o trágico, Mario Vargas Llosa joga com a realidade e a ficção para dar vida a uma história na qual o amor se nos revela indefinível, senhor de mil caras, tal como a menina má.
Paixão e distância, sorte e destino, dor e prazer... Qual é o verdadeiro rosto do amor?
in Travessuras da menina má, romance de Mário Vargas Llosa.

Posso desfazer a mochila.

O dia acordou coberto de cinzentas nuvens, os meteorologistas não se enganaram – prevê-se um dia de chuva. Espectáculo já não chovia desde o dia 22 de Maio, que já recordava com saudades. De nada serve ter a mala pronta para um dia de escalada na Arrábida - fica para outro.
É neste dia de chuva que início este blog, que do dia recebeu o baptismo, e, é nele, onde vou dar um pouco de mim – virtualmente falando, claro – dos meus gostos, que são de factos muitos, dos quais alguns são verdadeiras paixões:

Livros: às centenas, que me fazem sonhar;
Filmes: essencialmente alternativo;
Reflexões: que me fazem pensar;
Aventura e desportos que pratico;
Quem sabe mais! Talvez de tudo um pouco.

Para já a manhã chuvosa serviu para terminar de ler Travessuras da menina má, de Mário Vargas Llosa, que de facto não foi um livro que me agradasse deveras por aí além. Porquê? Simplesmente porque depois de se ler a obra deste colossal autor, não se espera um romance deste género.
Mesmo assim Vargas Llosa está no meu top 5 de autores, nem podia ser de outra forma depois de ler Conversa na catedral, O falador e A Tia Júlia e o escrevedor.

A escalada fica para outro dia.