«O carácter resulta de seguirmos o nosso mais elevado sentido do bem e de confiar em ideias sem ter a certeza que resultam.» Richard Bach

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Assim falava aquele homem no recôndito da sua consciência, inclinado por sobre o que poderia chamar-se o seu próprio abismo. Ergueu-se da cadeira e pôs-se a passear no quarto.
- Vamos – disse ele –, não tornemos a pensar mais nisto! Já tomei a resolução que havia de tomar! - Não sentiu, porém, alegria nenhuma.
Pelo contrário.
Pretender obstar a que o pensamento volte a ocupar-se de uma ideia, seria o mesmo que querer impedir o mar de voltar a humedecer a areia da praia. Para o marinheiro, chama-se a isto a maré; para o criminoso, chama-se remorso. Agita Deus a alma, como agita o oceano.
Ao cabo de poucos instantes, tornou a travar esse sombrio diálogo, em que era ele que falava e quem escutava, dizendo o que desejaria calar, escutando o que desejaria não ouvir, cedendo a essa potência misteriosa que lhe dizia: pensa! Como há dois mil anos dizia a outro condenado: caminha!
Antes de irmos mais longe, e para sermos completamente compreendidos, insistamos numa observação necessária.
E certo que o homem fala a si mesmo; não há um único ser racional que o não tenha experimentado. Pode-se até dizer que o mistério do Verbo nunca é mais magnifico do que quando, no interior do homem, vai do pensamento à consciência, e volta da consciência ao pensamento. É somente neste sentido que devem ser entendidas as palavras, frequentemente empregadas neste capítulo: disse, exclamou. Diz, fala, exclama cada um consigo mesmo, sem que seja quebrado o silêncio exterior. Há um grande tumulto; tudo fala em nós, excepto a boca. As realidades da alma, por não serem visíveis e palpáveis, nem por isso deixam de ser também realidades.Perguntou, pois, a si mesmo aquele homem, onde estava. Interrogou-se sobre aquela «resolução tomada». Confessou a si mesmo que tudo o que ele acabava de dispor no seu espírito era monstruoso, que «deixar correr as coisas, deixar obrar o bom Deus» era nem mais nem menos do que uma coisa horrível. Deixar realizar aquele desacerto do destino e dos homens, não o impedir, antes favorecê-lo com o seu silêncio, nada fazer enfim, era fazer tudo! Era o último grau da indignidade hipócrita! Era um crime vilão, cobarde, dissimulado, abjecto e torpemente disforme! Aquele homem infeliz acabava de sentir pela primeira vez, havia oito anos, o sabor amargo de um mau pensamento e de uma má acção.
in Os Miseráveis de Vitor Hugo.

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